Supremo Tribunal Federal • 6 julgados • 22 de mar. de 2007
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O Tribunal conheceu, em parte, de ação direta ajuizada pela Confederação Nacional do Comércio - CNC, e, na parte conhecida, julgou, por maioria, improcedente o pedido, nela formulado, de declaração de inconstitucionalidade do art. 12-A — que estabelece que, nas aquisições interestaduais de mercadoria para fins de comercialização, será exigida antecipação parcial do ICMS, a ser efetuada pelo próprio adquirente, independentemente do regime de apuração adotado —, e, por arrastamento, dos §§ 1º, I, II, III, e 2º desse artigo, do inciso III do art. 23 e do § 6º do art. 26, todos acrescentados à Lei estadual 7.014/96 (lei básica do ICMS baiano), pela Lei estadual 8.967/2003. Não se conheceu da ação relativamente ao § 4º do art. 16 da Lei estadual 7.014/96, acrescentado pela Lei estadual 8.967/2003, ao fundamento de que a matéria nele disciplinada nada tem a ver com a antecipação parcial instituída pelo art. 12-A, objeto da ação, o que impediria a aplicação da inconstitucionalidade por arrastamento pleiteada. Quanto aos demais artigos impugnados, entendeu-se se tratar, na espécie, de substituição tributária para frente, reputada legítima pelo Tribunal. Asseverou-se que o Estado-membro, no exercício de sua competência para disciplinar e cobrar o ICMS (CF, art. 155, II), dispôs a respeito do momento da exigência desse tributo, e que a antecipação parcial do ICMS no momento das aquisições interestaduais para fins de comercialização é situação expressamente autorizada pelo § 7º do art. 150 da CF. Afastou-se a alegação de ofensa ao art. 150, V, da CF, porquanto a antecipação parcial do imposto objetivou alterar a data de vencimento da obrigação e não onerar o ingresso de aquisições originárias de outros estados. Além disso, ressaltou-se que, posteriormente, o crédito será escriturado, observando o princípio da não-cumulatividade, não havendo afronta aos artigos 150, IV e 152, da CF. Rejeitou-se, também, a apontada violação ao princípio da livre iniciativa e da livre concorrência, por não se verificar restrição às operações mercantis, bem como aos artigos 22, VIII e 155, § 2º, VI, da CF, pois em nenhum momento se regulou o comércio ou se fez restrição ao comércio interestadual, nem se fixou nova alíquota incidente sobre operações e prestações interestaduais, sendo aplicáveis as mesmas alíquotas referidas pela Resolução 22/99, do Senado Federal. Por fim, não se vislumbrou agressão aos artigos 170, IX, e 179, da CF, uma vez que observado o tratamento favorecido às empresas de pequeno porte e às microempresas. Vencido, parcialmente, o Min. Marco Aurélio, que julgava o pedido procedente relativamente ao referido art. 12-A da lei impugnada, por considerar que, ao estabelecer tratamento diferenciado, tendo em conta apenas a origem da mercadoria, o dispositivo estaria em conflito com a Constituição, por solapar a própria federação, privilegiando o que produzido no Estado da Bahia em detrimento da produção e comercialização de bens em outras unidades da federação.
O Tribunal julgou procedente pedido formulado em reclamação para avocar mandado de segurança impetrado, pelo reclamante, no Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso do Sul, visando ao trancamento de processo administrativo instaurado para apurar a prática de infração disciplinar, suscetível de ensejar a aplicação da pena de demissão. Sustentava o reclamante a suspeição e/ou impedimento de todos os desembargadores do referido tribunal, decorrente de denúncias que formulara perante a Procuradoria-Geral de Justiça estadual, em que pedira providências no sentido de que fossem apuradas irregularidades supostamente cometidas naquela Corte. Inicialmente, salientou-se que as exceções de suspeição opostas no tribunal de justiça foram recusadas e que seu relator determinara a remessa dos autos ao Supremo, em razão das argüições terem sido apresentadas contra praticamente todos os desembargadores. Tendo isso em conta, e reportando-se ao que decidido no MS 21193 AgR/DF (DJU de 2.4.93) e na AO 214/RR (DJU de 16.6.95), entendeu-se que a reclamação deveria ser julgada no Supremo, haja vista a manifestação formal do tribunal a quo. Asseverou-se, no ponto, que, na verdade, a reclamação se confundiria com o julgamento das próprias ações originárias — as exceções de suspeição, no total de 15 — a ela apensadas, sendo preferível, por economia processual, julgar a reclamação. No mais, ressaltou-se que, no caso, a fumaça do bom direito ao inverso, vedada pelo Código de Processo Civil (artigos 134 e 135) e pela Constituição, é que daria a solução: art. 102, I, n, 2ª parte, da CF (“Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal...: I - processar e julgar, originariamente:... n) a ação em que todos os membros da magistratura sejam direta ou indiretamente interessados, e aquela em que mais da metade dos membros do tribunal de origem estejam impedidos ou sejam direta ou indiretamente interessados;”). Considerou-se o fato de que 5 atos administrativos foram abertos contra o reclamante, 3 dos quais judicializados como ações originárias no Supremo, quais sejam, um impedimento de remoção, um inquérito por acumulação de cargos, um por abandono de cargo, um criminal por falsidade ideológica e este de demissão por ofensa à honra de desembargadores. Enfatizando-se não se estar discutindo o mérito dos atos administrativos, nem dos mandados de segurança que resultaram em reclamações e ações originárias no Supremo, mas de estar o debate restrito em saber da incidência ou não do comando “mais da metade dos membros do tribunal de origem estejam... indiretamente interessados”, concluiu-se que o conjunto desses atos propostos contra o reclamante estaria a demonstrar a competência originária deste Tribunal.
Por ausência de fundamentação, a Turma, em votação majoritária, deferiu, em parte, habeas corpus para anular acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, no capítulo referente à fixação da pena-base, de modo a restabelecer, no ponto, a sentença condenatória, determinando o cumprimento da pena de 5 anos e 8 meses em regime inicial fechado. No caso, o tribunal de origem acolhera o recurso de apelação do Ministério Público local e majorara para 8 anos, com fundamento em circunstâncias judiciais desfavoráveis e nos princípios da necessidade e suficiência à reprovação e prevenção do delito, a pena-base imposta pela sentença que condenara o paciente por tentativa de homicídio simples. Entendeu-se que, na espécie, a mera alegação de “bondade” do juiz de primeiro grau, que fixara a pena-base em patamar pouco acima do mínimo legal (4 anos de reclusão em regime inicial aberto), não poderia servir de motivo para o aumento da reprimenda básica, haja vista a sua discricionariedade e distanciamento das circunstâncias enumeradas no art. 59 do CP. Asseverou-se, ademais, que o argumento de necessidade e suficiência da pena para justificar tal acréscimo divergiria, na hipótese, do ordenamento jurídico e não encontraria respaldo no exame das circunstâncias que definem a pena-base no caso concreto. Rejeitaram-se, ainda, as demais questões suscitadas, porquanto a reincidência estaria reconhecida pelo juiz natural da causa, bem como justificada a redução da pena decorrente da tentativa. Vencidos os Ministros Marco Aurélio e Sepúlveda Pertence que indeferiam o writ por não vislumbrar ilicitude na aludida majoração, fundamentada a partir das circunstâncias judiciais retratadas na sentença.
A Turma, por maioria, deferiu habeas corpus para determinar o imediato encaminhamento do paciente a estabelecimento penitenciário adequado à execução de regime semi-aberto, sob pena de, não sendo possível à administração penitenciária executar a presente ordem no prazo de 72 horas, ser-lhe assegurado o direito de permanecer em liberdade, se por al não estiver preso, até que o Poder Público providencie vaga em estabelecimento apropriado. Tratava-se, na espécie, de writ em que se discutia a possibilidade de o réu, condenado a cumprimento de pena em regime semi-aberto, aguardar em regime prisional mais gravoso (regime fechado) o surgimento de vaga em colônia penal agrícola e/ou colônia penal industrial ou em estabelecimento similar. Tendo em conta a circunstância relevante de o juiz haver reconhecido que o paciente preencheria os requisitos necessários para iniciar a execução da pena em regime semi-aberto, entendeu-se inaceitável que — ao argumento de deficiências estruturais do sistema penitenciário ou de incapacidade de o Estado prover recursos materiais que viabilizem a implementação de determinações impostas pela Lei Execução Penal - LEP, que constitui exclusiva obrigação do Poder Público — venha a ser frustrado o exercício, pelo sentenciante, de direitos subjetivos que lhe foram conferidos pelo ordenamento positivo, como o de começar, desde logo, quando assegurado por sentença penal já transitada em julgado, o cumprimento da pena em regime semi-aberto. Rejeitou-se, ainda, a pretendida concessão de prisão domiciliar, prevista no art. 117 da LEP, considerado o caráter excepcional e taxativo das hipóteses constantes desse dispositivo. Vencido, em parte, o Min. Joaquim Barbosa que deferia o habeas corpus de modo mais limitado, para que o paciente fosse colocado em prisão domiciliar ou cumprisse pena em outra comarca.
A Turma não conheceu de habeas corpus impetrado contra ato do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, em favor de condenado a medida de internação, mas deferiu-o, de ofício, para declarar ilegal o constrangimento à liberdade do paciente e substituir a medida de internação a ele aplicada pela de liberdade assistida, que vem se revelando adequada para o fim de acompanhar, auxiliar e orientar o adolescente. Na espécie, o paciente respondera a inúmeros procedimentos infracionais, pelos quais lhe fora aplicada a medida de internação, por prazo indeterminado, sem possibilidade de atividades externas. Posteriormente, em razão de ter sido verificada uma evolução positiva no seu desenvolvimento, sobretudo quanto aos estudos, passara a realizar atividades externas. Depois de cumprir mais de 1 ano de internação e em face dos avanços comportamentais e da concreta perspectiva de vida que acabara construindo, viera a ter progressão para a liberdade assistida por um período inicial de 6 meses. Não obstante, em virtude de outro fato por ele praticado anteriormente, o TJRS, em recurso interposto pelo Ministério Público, determinara o retorno do paciente à medida de internação, substituindo a prestação de serviços à comunidade a ele imposta pela sentença condenatória. Conheceu-se, de ofício, do writ ao fundamento de que, embora dirigido contra autoridade a qual não compete o Supremo julgar, estariam em jogo garantias constitucionais de extrema relevância, quais sejam, o direito do adolescente à educação, à profissionalização, à convivência familiar e comunitária e à liberdade. Considerou-se estar configurado, no caso, um ato de cerceamento da liberdade de um jovem por fato que praticara há quase 4 anos, o qual já respondera, posteriormente, internado, por outros fatos até mais graves. Ressaltou-se que, diante do quadro apresentado, seria muito prejudicial à evolução pessoal do paciente, reconhecida nos relatórios de orientação, a determinação de cumprimento de nova medida de internação por ato infracional praticado há tanto tempo. Asseverou-se, no ponto, que as medidas previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA visam assegurar à criança e ao adolescente proteção integral, e que as razões invocadas pelo TJRS para decretar a internação pareciam incoerentes com essa finalidade, haja vista que se levara em conta não o ato em si praticado (resistência), mas atos infracionais anteriores pelos quais o paciente já fora internado e obtivera progressão para medida menos gravosa. Em vista disso, entendeu-se que o acórdão impugnado, ao não atentar para a realidade do paciente, cujo comportamento se mostrara adequado a ensejar a progressão das medidas, violara a razoabilidade, os ditames constitucionais e o ECA, devendo incidir o art. 122, § 2º do ECA (“Em nenhuma hipótese será aplicada a internação, havendo outra medida adequada”).
Em face do empate na votação, a Turma deferiu, em parte, habeas corpus para assentar a legitimidade do parquet para postular o reconhecimento da incompetência absoluta do juízo originário. Tratava-se, na espécie, de writ impetrado pelo Ministério Público do Estado do Rio Grande do Norte em que requerida, ante disposição da Constituição Estadual e da lei de organização judiciária, a declaração de incompetência de vara criminal para o julgamento do paciente. Entendeu-se que, no caso, o aludido reconhecimento afetaria diretamente a defesa de um direito individual indisponível do paciente, qual seja, o de ser julgado por um juiz competente (CF, art. 5º, LIII), e que o Ministério Público, órgão de defesa de toda a ordem jurídica (CF, art. 127, caput), seria parte legítima para impetrar habeas corpus em que se visa ao reconhecimento da incompetência absoluta de juiz processante da ação penal. De outro lado, no tocante à alegada incompetência do juízo, para se evitar dupla supressão de instância e tendo em conta o fato de não haver constrangimento iminente à liberdade do paciente, entendeu-se recomendável remeterem-se os autos ao Tribunal de Justiça local a fim de que, afastada a preliminar de conhecimento, aprecie o pedido como entender de direito. Vencidos os Ministros Sepúlveda Pertence e Ricardo Lewandowski que indeferiam a ordem por considerar que a natureza da via eleita estaria sendo desvirtuada para se discutir questão de lei de organização judiciária estadual.