Supremo Tribunal Federal • 7 julgados • 26 de mai. de 2023
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A adoção do rito de urgência em proposições legislativas é prerrogativa regimental atribuída à respectiva Casa Legislativa e consiste em matéria “interna corporis”, de modo que não cabe ao Poder Judiciário qualquer interferência, sob pena de violação ao princípio de separação dos Poderes (CF/1988, art. 2º). É constitucional lei municipal que, ao regulamentar apenas o seu interesse local, sem criar novas figuras ou institutos de licitação ou contratação, estabelece diretrizes gerais para a prorrogação e relicitação dos contratos de parceria entre o município e a iniciativa privada. A adoção do rito de urgência em proposições legislativas é prerrogativa regimental atribuída à respectiva Casa Legislativa e consiste em matéria “interna corporis”, de modo que não cabe ao Poder Judiciário qualquer interferência, sob pena de violação ao princípio de separação dos Poderes (CF/1988, art. 2º). A jurisprudência desta Corte é consolidada no sentido de que o Poder Judiciário não pode apreciar o mérito da opção do Poder Legislativo pela tramitação abreviada de projeto de lei ou de outras proposições de sua competência (1). É constitucional lei municipal que, ao regulamentar apenas o seu interesse local, sem criar novas figuras ou institutos de licitação ou contratação, estabelece diretrizes gerais para a prorrogação e relicitação dos contratos de parceria entre o município e a iniciativa privada. Na espécie, a lei municipal impugnada regulou os serviços públicos de sua própria competência, definindo os institutos da prorrogação contratual, da prorrogação antecipada, e da relicitação, além das condições e formas para a prorrogação dos contratos de parceria, a definição dos conceitos e requisitos para a relicitação, e do objeto nos contratos de parceria. Dessa forma, a norma atuou dentro da discricionariedade que lhe é conferida (CF/1988, art. 30, I e II), sem avançar em temas de caráter geral relacionados à licitação e à contratação (2). Nesse contexto, disciplinou somente aspectos da gestão administrativa dos contratos de parceria, permitindo ao administrador, com base nas normas gerais federais relacionadas ao tema, decidir do melhor modo para atender ao interesse público. Ademais, houve plena observância aos requisitos necessários ao reconhecimento da higidez da prorrogação antecipada, a saber: (i) que o contrato vigente de concessão ou permissão que será prorrogado tenha sido previamente licitado; (ii) que o edital de licitação e o contrato original autorizem a prorrogação; (iii) que seja viabilizada à Administração Pública, na figura do Poder concedente, uma decisão discricionária e motivada; e (iv) que essa decisão seja sempre lastreada no critério da vantajosidade (3). Com base nesse entendimento, o Plenário, em apreciação conjunta, por unanimidade, julgou improcedentes as ações para assentar a constitucionalidade da Lei 17.731/2022 do Município de São Paulo/SP. (1) Precedentes citados: ADI 6.968 e MS 38.199 MC. (2) Precedente citado: RE 1.159.577 AgR. (3) Precedente citado: ADI 5.991.
É constitucional — por representar norma mais protetiva à saúde e ao meio ambiente do que as diretrizes gerais da legislação federal, bem como estabelecer restrição razoável e proporcional às técnicas de aplicação de pesticidas — norma estadual que veda a pulverização aérea de agrotóxicos na agricultura local e sujeita o infrator ao pagamento de multa. A jurisprudência desta Corte (1) é firme no sentido de que a proteção do meio ambiente e a defesa da saúde são matérias de competência concorrente da União, dos estados e do Distrito Federal (CF/1988, arts. 23, II e VI; e 24, VI e XII). Nesse contexto, atuando conforme o sistema constitucional de repartição de competências, o legislador cearense proibiu a utilização da técnica de pulverização aérea em seu território sem contrariar a regulamentação da Lei 7.802/1989, a qual se limitou a traçar os parâmetros gerais sobre a matéria e estabelecer atividades de coordenação e ações integradas (2). Na espécie, estudos técnicos constataram os riscos envolvidos pela prática e apontaram peculiaridades locais que tornam proporcional a vedação estabelecida em favor do direito à saúde e dos princípios constitucionais da prevenção e da precaução (3). Ademais, a livre iniciativa não impede a regulamentação das atividades econômicas pelo Estado, notadamente quando ela se mostrar indispensável ao resguardo de outros valores constitucionais. Assim, o Tribunal tem privilegiado a proibição do retrocesso socioambiental, ao ponderar o direito à livre iniciativa com a defesa do meio ambiente e a proteção da saúde humana. Com base nesses entendimentos, o Plenário, por unanimidade, conheceu parcialmente da ação e, nesta extensão, a julgou improcedente para reconhecer a constitucionalidade do § 1º e do caput do art. 28-B da Lei 12.228/1993 do Estado do Ceará (4), incluídos pela Lei estadual 16.820/2019. (1) Precedentes citados: ADI 1.278; ADI 2.730; ADI 3.470; ADPF 672 MC-Ref; RE 761.056 AgR e RE 286.789. (2) Lei 7.802/1989: “Art. 10. Compete aos Estados e ao Distrito Federal, nos termos dos arts. 23 e 24 da Constituição Federal, legislar sobre o uso, a produção, o consumo, o comércio e o armazenamento dos agrotóxicos, seus componentes e afins, bem como fiscalizar o uso, o consumo, o comércio, o armazenamento e o transporte interno.” (3) Precedentes citados: RE 835.558 (Tema 648 RG); ADPF 101 e ADPF 656 MC. (4) Lei 12.228/1993 do Estado do Ceará: “Art. 28-B. É vedada a pulverização aérea de agrotóxicos na agricultura no Estado do Ceará. § 1º A infração ao art. 1º sujeita o infrator ao pagamento de multa de 15 mil (quinze mil) UFIRCEs.”
Embora possível a apresentação de emendas parlamentares a projetos de iniciativa privativa do chefe do Poder Executivo, são inconstitucionais os atos normativos resultantes de alterações que promovem aumento de despesa (CF/1988, art. 63, I), bem como que não guardem¿estrita pertinência¿com o objeto da proposta original, ainda que digam respeito à mesma matéria. É inconstitucional — por violar a competência privativa da União para legislar sobre diretrizes e bases da educação nacional (CF/1988, art. 22, XXIV) — norma estadual que dispõe sobre o reconhecimento e a validação de títulos acadêmicos obtidos no exterior. Embora possível a apresentação de emendas parlamentares a projetos de iniciativa privativa do chefe do Poder Executivo, são inconstitucionais os atos normativos resultantes de alterações que promovem aumento de despesa (CF/1988, art. 63, I), bem como que não guardem¿estrita pertinência¿com o objeto da proposta original, ainda que digam respeito à mesma matéria. No caso analisado, trata-se de projeto de lei que versa sobre regime jurídico e remuneração dos servidores públicos estaduais na área da saúde, enviado à Assembleia Legislativa pelo chefe do Poder Executivo local, no exercício de sua iniciativa privativa. Todavia, as emendas parlamentares instituíram gratificações e aumentos remuneratórios, estabeleceram obrigação para realizar concursos públicos, definiram percentuais de cargos comissionados e fixaram novos critérios para incrementos remuneratórios, com inegável aumento de despesa e em patente desarmonia com o objeto do projeto inicial (1) (2). É inconstitucional — por violar a competência privativa da União para legislar sobre diretrizes e bases da educação nacional (CF/1988, art. 22, XXIV) — norma estadual que dispõe sobre o reconhecimento e a validação de títulos acadêmicos obtidos no exterior. Consoante jurisprudência desta Corte, as questões afetas à internalização de títulos acadêmicos expedidos por instituições de ensino superior estrangeiras devem ser regulamentadas por normas de caráter nacional, pois representam interesse geral, demandando tratamento uniforme (3). A lei estadual impugnada previu o aproveitamento de títulos e diplomas de cursos de pós-graduação lato sensu e stricto sensu obtidos em instituições sediadas em países membros do Mercosul, e permitiu a sua equiparação com os cursos oferecidos por instituições de ensino superior sediadas no Brasil com o consequente pagamento de gratificação a partir da data do requerimento. Assim, tratou do tema de modo diverso do previsto na legislação federal (Lei 9.394/1996, arts. 44 e 48). Com base nesses entendimentos, o Plenário, por unanimidade, conheceu parcialmente da ação e, nessa extensão, a julgou procedente para declarar a inconstitucionalidade formal dos artigos 3º; 8º; 16 (inclusão do § 4º ao art. 41 da Lei 892/2013); 17 (inclusão do § 5º do art. 41-A da Lei 892/2013); 23; 27; 30; 36 (inclusão do § 2º ao art. 112 da Lei 892/2013); e 37, todos da Lei 1.030/2016 do Estado de Roraima, atribuindo à decisão efeitos ex nunc a contar da data da publicação da ata do julgamento. (1) CF/1988: “Art. 61. A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou Comissão da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do Congresso Nacional, ao Presidente da República, ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores, ao Procurador-Geral da República e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição. § 1º São de iniciativa privativa do Presidente da República as leis que: (...) II - disponham sobre: a) criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração; (...) c) servidores públicos da União e Territórios, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria; (...) Art. 63. Não será admitido aumento da despesa prevista: I - nos projetos de iniciativa exclusiva do Presidente da República, ressalvado o disposto no art. 166, § 3º e § 4º;” (2) Precedentes citados: ADI 3.655; ADI 4.884; ADI 4.827, ADI 4.759; ADI 3.915; ADI 1.333; ADI 3.288 e ADI 2.350. (3) Precedentes citados: ADI 5.537; ADI 5.168 e ADI 2.501.
A dosimetria da pena é uma fase independente do julgamento, razão pela qual todos os ministros possuem o direito de se manifestar, independentemente de terem votado no sentido da absolvição ou condenação do réu. Assim como o julgamento de uma preliminar de mérito — como, por exemplo, a prescrição — não impede, mesmo se afastada, que todos os ministros continuem a participar do julgamento, o voto vencido que absolve o réu não priva o magistrado que o proferiu da participação do julgamento da dosimetria da pena. Desse modo, se todos podem participar do julgamento de posteriores eventuais embargos de declaração, nada obsta que participem da dosimetria da pena, de forma a garantir o amplo debate sobre a aplicação de uma pena justa, garantia fundamental do réu, notadamente porque a decisão do Tribunal deve ser o reflexo do colegiado. Com base nesse entendimento, o Plenário, por maioria, resolvendo questão de ordem proposta pela Presidência, decidiu pela participação de todos os ministros quando da votação relativa à dosimetria da pena, inclusive dos que emitiram juízo absolutório.
“É inconstitucional, por violação ao art. 37, X e XIII, e ao art. 39, § 1º, da CF, a vinculação de remunerações de carreiras pertencentes a entes federativos distintos ao subsídio de Ministros do Supremo Tribunal Federal.” “A previsão legal que fixe subsídio em percentual determinado de um cargo paradigma deve ser interpretada conforme à Constituição, considerando-se como base o valor vigente no momento de publicação da lei impugnada, vedados reajustes automáticos posteriores.” “Não ofende a Constituição o escalonamento de vencimentos entre cargos estruturados na mesma carreira pública ou entre conselheiros e auditores de Contas.” É inconstitucional — tendo em vista a vedação expressa do art. 37, XIII, da CF/1988, a autonomia federativa (CF/1988, art. 39, § 1º) e a exigência de lei específica para reajustes — a vinculação ou equiparação entre agentes públicos de entes federativos distintos para obtenção de efeitos remuneratórios. Na espécie, as normas estaduais impugnadas fixaram vinculação dos subsídios de seus magistrados, membros do Ministério Público e do Tribunal de Contas àqueles pagos aos ministros do STF, em desacordo com a jurisprudência desta Corte (1). Nesse contexto, não há justificativa para o ente regional delegar à lei federal, que estabelece a remuneração dos ministros do STF, a função de, por via oblíqua, determinar o valor dos subsídios dos desembargadores ou juízes de Direito (2). A fixação do valor dos subsídios deve ser feita por lei estadual, à luz da realidade local, observados os parâmetros constitucionais (CF/1988, art. 93, V). Entretanto, é possível interpretar as normas impugnadas no sentido de que a referência a 90,25%, para fins de cálculo do subsídio, corresponde a um valor fixo resultante da incidência desse percentual sobre o valor do subsídio mensal dos ministros do STF vigente à época da publicação da lei (no caso, conforme estabelecido pela Lei federal 11.143/2005), vedando-se a extensão automática de reajustes posteriores concedidos no âmbito da União. Por outro lado, a mera sistematização da hierarquia salarial entre classes de uma mesma carreira, através do escalonamento vertical de seus subsídios, não configura vinculação ou equiparação (3). Com base nesse entendimento, o Plenário, por maioria, julgou parcialmente procedente o pedido, para atribuir interpretação conforme a Constituição ao art. 1º, caput, da Lei 1.631/2005, ao art. 1º, caput, da Lei 1.632/2005, e ao art. 1º, caput, da Lei 1.634/2005, todas do Estado de Tocantins, para afastar qualquer interpretação que assegure aos agentes públicos contemplados reajuste automático sempre que aumentado o valor do subsídio do ministro do Supremo Tribunal Federal, valendo dizer que a menção a 90,25% deve ser tomada quanto ao valor vigente à data da edição da lei (R$ 21.500,00, conforme Lei federal 11.143/2005), de modo que reajustes posteriores demandarão lei específica, na forma do art. 37, X, da CF/1988. (1) Precedente citado: ADI 6.437 MC. (2) Precedentes citados: ADI 6.610; ADI 1.756 e ADI 3.697. (3) Precedente citado: ADI 4.898.
“São inconstitucionais normas que atribuem a emissão de pareceres opinativos aos auditores de Tribunal de Contas estadual, por incompatibilidade com a função de judicatura de contas estabelecida pelos arts. 73, § 4º, e 75, caput, da Constituição.” Os entes federados possuem autonomia para fixar, em lei, as atribuições para o cargo de auditor (ministros ou conselheiros substitutos) do respectivo Tribunal de Contas, e podem, inclusive, inovar em relação às fixadas na Lei Orgânica do Tribunal de Contas da União (Lei 8.443/1992). Contudo, elas devem sempre obedecer ao perfil judicante do cargo expressamente instituído pela Constituição Federal de 1988 (arts. 73, § 4º; e 75), indispensável para que as atividades desempenhadas pelas Cortes de Contas sejam exercidas com qualidade, autonomia e isenção. A Constituição Federal de 1988 dispõe que o auditor, cujo cargo deve ser replicado nos Tribunais de Contas dos estados, Distrito Federal e municípios (1), exerce “atribuições da judicatura” mesmo quando não estiver em substituição de ministro ou conselheiro, sendo-lhes asseguradas as garantias e impedimentos próprios de juiz (art. 73, § 3º). Nesse contexto, os auditores não se confundem com profissionais responsáveis pelas auditorias e fiscalizações, ou com servidores que auxiliam na atividade de controle externo, uma vez que prestaram concurso público específico para realizar o julgamento das contas públicas, relatar e instruir processos, propor decisões e, por vezes, ter assento no colegiado (2). Desse modo, a emissão de pareceres ou quaisquer atos opinativos contradiz as atribuições e garantias judicantes previstas para o cargo, eis que configuram tarefas desprovidas de caráter decisório. Ademais, a previsão na lei estadual impugnada atinente aos vencimentos e vantagens do cargo, com vistas a garantir padrão compatível com o exercício da judicatura, situa-se no âmbito de sua autonomia federativa, conforme jurisprudência desta Corte, que entende possível a vinculação remuneratória entre auditores e conselheiros de Tribunais de Contas estaduais (3). Com base nesses entendimentos, o Plenário, por unanimidade, julgou parcialmente procedente a ação para: (i) declarar a inconstitucionalidade do art. 14, I, II, III, IV; e da expressão “dos Auditores”, contida no art. 53, II, ambos da Lei Complementar 160/2012 do Estado do Mato Grosso do Sul (4); (ii) atribuir interpretação conforme a Constituição à expressão “estabelecidas em lei”, contida no art. 80, § 5º, da Constituição do Estado do Mato Grosso do Sul (5), a fim de explicitar que as atribuições do cargo de auditor, fixadas em lei, devem guardar pertinência com a função de judicatura de contas; e (iii) declarar a inconstitucionalidade, por arrastamento, da redação originária do art. 14 da Lei Complementar 160/2012 e do art. 19, I e II, da Lei Complementar 48/1990, ambas do Estado do Mato Grosso do Sul, a fim de evitar efeito repristinatório. (1) Precedente citado: ADI 1.994. (2) Precedente citado: ADI 6.945. (3) Precedentes citados: ADI 6.945; ADI 6.939; ADI 6.962; ADI 6.951; ADI 6.953 e ADI 6.941. (4) Lei Complementar 160/2012 do Estado do Mato Grosso do Sul: “Art. 14. Ao Auditor compete: I - analisar e emitir parecer nos processos relativos às prestações de contas de Governo e de gestão e às tomadas de contas; (Redação dada pela Lei Complementar nº 194, de 16 de setembro de 2014) II - emitir parecer nos recursos relativos às matérias compreendidas nas disposições do inciso I; (Redação dada pela Lei Complementar nº 194, de 16 de setembro de 2014) III - emitir parecer nos demais processos de competência do Tribunal, quando solicitado por Conselheiro; (Redação dada pela Lei Complementar nº 194, de 16 de setembro de 2014) (...) Art. 53. Os processos devem ser instruídos, conforme as respectivas competências: (...) II - pelos pareceres dos Auditores e dos Procuradores do Ministério Público de Contas;” (5) Constituição do Estado de Mato Grosso do Sul: “Art. 80. O Tribunal de Contas do Estado, integrado por sete Conselheiros, tem sede na Capital, quadro próprio de pessoal e jurisdição em todo o território estadual, exercendo, no que couber, as atribuições previstas no art. 114. (...) § 5º Os Auditores, quando em substituição a Conselheiros, terão as mesmas garantias, prerrogativas, impedimentos, vencimentos e vantagens dos titulares e quando, no exercício das demais atribuições estabelecidas em lei, as dos magistrados de nível imediatamente inferior ao do adotado para os Conselheiros.”
É inconstitucional — por configurar retrocesso institucional e socioambiental, dada sua incompatibilidade com o modelo da democracia constitucional e violação a preceitos fundamentais — o Decreto 9.806/2019 que, sob a justificativa da liberdade de conformação decisória administrativa, foi editado para dispor sobre regras de composição e funcionamento do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), e promoveu alterações quanto à representação de seus membros e ao seu processo decisório. A norma impugnada é procedimentalmente assimétrica no que diz respeito à alocação do poder de voto no processo decisório do Conama. Ela representa obstáculo para as reais oportunidades de participação social na arena decisória ambiental, na medida em que potencializa o poder em um setor em desfavor da fragmentação política do setor da sociedade civil e dos entes federados, de modo a impossibilitar qualquer resistência e absorção dos interesses dessas pluralidades. Ademais, a fixação do sorteio, fundado na aleatoriedade, como método de designação dos representantes das sociedades civis, dos entes subnacionais e das entidades empresariais na composição do Conama — em substituição ao fundado na liberdade de escolha, mediante eleição e baseado na liberdade de autodeterminação dos interessados — enseja desobediência aos direitos fundamentais de participação e ao projeto constitucional de uma democracia direta. Nesse contexto, o espaço decisório do Poder Executivo não permite intervenção ou regulação desproporcional. Assim, a supressão de marcos regulatórios democráticos e procedimentais mínimos — que não se confunde com a sua reformulação — configura quadro normativo de aparente retrocesso institucional no campo da proteção e defesa dos direitos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado (CF/1988, art. 225, caput) e da participação democrática (CF/1988, arts. 1º, caput e I; e 14) (1). Com base nesses e em outros entendimentos, o Plenário, por unanimidade, converteu a apreciação da medida cautelar em análise do mérito e julgou procedente a ação para declarar a inconstitucionalidade do Decreto 9.806/2019 (2). (1) Precedentes citados: ADPF 747 MC-Ref; ADPF 748 MC-Ref e ADPF 749 MC-Ref. (2) Decreto 9.806/2019 do Presidente da República: “Art. 1º O Decreto 99.274, de 6 de junho de 1990, passa a vigorar com as seguintes alterações: ‘Art. 5º ............... III – o Presidente do Ibama; IV – um representante dos seguintes Ministérios, indicados pelos titulares das respectivas Pastas: a) Casa Civil da Presidência da República; b) Ministério da Economia; c) Ministério da Infraestrutura; d) Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento; e) Ministério de Minas e Energia; f) Ministério do Desenvolvimento Regional; e g) Secretaria de Governo da Presidência da República; V – um representante de cada região geográfica do País indicado pelo governo estadual; VI – dois representantes de Governos municipais, dentre as capitais dos Estados; VII – quatro representantes de entidades ambientalistas de âmbito nacional inscritas, há, no mínimo, um ano, no Cadastro Nacional de Entidades Ambientalistas – Cnea, mediante carta registrada ou protocolizada junto ao Conama; e VIII – dois representantes indicados pelas seguintes entidades empresariais: a) Confederação Nacional da Indústria; b) Confederação Nacional do Comércio; c) Confederação Nacional de Serviços; d) Confederação Nacional da Agricultura; e e) Confederação Nacional do Transporte. § 2º Os representantes a que se referem os incisos IV a VIII do caput e os seus respectivos suplentes, assim como o suplente do Presidente do Ibama serão designados em ato do Ministro de Estado do Meio Ambiente. § 8º Os representantes a que se referem os incisos V, VI e VIII do caput terão mandato de um ano e serão escolhidos de forma sequencial conforme lista estabelecida por sorteio. § 9º Cada entidade ou órgão integrante do Plenário do Conama deverá indicar, além do membro titular, um membro suplente para representá-lo em suas ausências e seus impedimentos. § 10. Os representantes a que se refere o inciso VII do caput terão mandato de um ano e serão escolhidos por sorteio anual, vedada a participação das entidades ambientalistas detentoras de mandato. § 11. O Distrito Federal será incluído no sorteio do representante dos Governos estaduais da região Centro-Oeste.’ ‘Art. 6º ............... § 3º O Presidente do Conama será substituído, em suas ausências e seus impedimentos, pelo Secretário-Executivo do Conama. ............... § 5º Os representantes de que trata o inciso VII do caput do art. 5º poderão ter as despesas de deslocamento e estada pagas à conta de recursos orçamentários do Ministério do Meio Ambiente.’ ‘Art. 6º-C O Conama poderá realizar reuniões regionais, de caráter não deliberativo, com a participação de representantes dos Estados, do Distrito Federal e das capitais dos Estados das respectivas regiões.’ Art. 2º No prazo de trinta dias, contado da data de entrada em vigor deste Decreto, edital do Ministério do Meio Ambiente convocará representantes dos Estados, do Distrito Federal, das capitais dos Estados e das entidades ambientalistas e empresariais a que se referem os incisos VII e VIII do caput do art. 5º para comparecer à reunião extraordinária, na qual serão realizados os sorteios de que tratam os § 8º e § 10 do art. 5º. Parágrafo único. O edital a que se refere o caput detalhará as regras de realização dos sorteios. Art. 3º Ficam revogados os seguintes dispositivos do Decreto 99.274, de 1990: I – o inciso II do art. 4º; II – os incisos IX e X do caput e os § 1º e § 3º a § 7º do art. 5º; III – o § 1º do art. 6º; IV – o art. 6º-A; V – o art. 6º-B; VI – o inciso III do caput do art. 7º; VII – o § 2º do art. 8º; e VIII – o art. 43. Art. 4º Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação.”