Este julgado integra o
Informativo STF nº 940
Comentário Damásio
Conteúdo Completo
É constitucional o art. 38 da Lei 8.880, de 27 de maio de 1994, não importando a aplicação imediata desse dispositivo violação do art. 5º, XXXVI, da Constituição Federal (CF). É constitucional o art. 38 da Lei 8.880 (1), de 27 de maio de 1994, não importando a aplicação imediata desse dispositivo violação do art. 5º, XXXVI, da Constituição Federal (CF) (2). Com base nessa orientação, o Plenário, por maioria, julgou procedente pedido formulado em arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF) ajuizada em face desse dispositivo, que estabeleceu bases a serem seguidas para o cálculo dos índices de correção monetária. Preliminarmente, o colegiado, por maioria, conheceu da ADPF e reiterou o entendimento adotado no exame da medida cautelar. Assim, ao tratar do pressuposto específico, entendeu haver relevância jurídica e econômico-financeira da controvérsia constitucional, decorrente da divergência interpretativa a respeito do art. 38 da Lei 8.880/1994. No tocante aos pressupostos gerais, consignou que nela se discute acerca de possível violação de preceito fundamental relacionado à garantia do direito adquirido. O requisito da subsidiariedade está presente, visto que se questiona preceito de natureza eminentemente transitória, com efeitos exauridos no momento do ajuizamento da ação. É incabível outro instrumento de controle concentrado capaz de solver a controvérsia de forma ampla, geral e imediata (ADPF 33). Vencidos, no ponto, os ministros Marco Aurélio e Ricardo Lewandowski, que não conheceram da ação. Segundo o ministro Marco Aurélio, existe outro meio jurídico eficaz para dirimir os conflitos de interesse, tanto que se implementou liminar para suspender os processos respectivos no território nacional. Ao acompanhá-lo, o ministro Ricardo Lewandowski salientou não vislumbrar com clareza a violação a preceito fundamental. No mérito, a Corte observou que a correção monetária visa recompor a perda do poder aquisitivo da moeda, em razão do ambiente inflacionário. Recordou que, quando da edição do preceito em debate, o Brasil vivia a experiência da inflação galopante. Para seu controle, surgiu o Plano Real. Na época, o plano para a implantação do real foi dividido, basicamente, em três etapas: i) estabelecimento, em bases permanentes, do equilíbrio das contas do governo; ii) criação da Unidade Real de Valor (URV); e iii) emissão da nova moeda. A Medida Provisória 434/1994 — que, após reedições, foi convertida na Lei 8.880/1994 — criou a URV, cujo valor, em 1º de março de 1994, seria aproximadamente o da cotação do dólar estadunidense naquele dia. Por ter a URV ficado com a exclusiva função de servir como padrão de valor monetário, o cruzeiro real, moeda física então circulante, manteve a função de servir como meio de pagamento dotado de poder liberatório. O quadro permaneceu assim até 1º de julho de 1994, quando o cruzeiro real deixou de integrar o sistema monetário nacional e a URV passou a ter poder liberatório e a ser denominada de real. Até que isso ocorresse, ficou a cargo do Banco Central do Brasil (Bacen) fixar a paridade diária entre o cruzeiro real e a URV, com base na perda do poder aquisitivo do cruzeiro real. Estabeleceu-se relação entre o dólar estadunidense, a URV e o cruzeiro real. Em função disso, a taxa de câmbio entre a moeda física circulante (cruzeiro real) e a estrangeira (dólar) foi guiada pela inflação. A taxa de conversão entre a moeda velha, o cruzeiro real, e a nova, a URV/real, teve valor diferente a cada dia por todo o período anterior a 30 de junho de 1994. A apuração da perda do poder aquisitivo do cruzeiro real, levada em conta para a fixação da paridade diária com a URV, foi realizada com apoio em diversos índices de preços, entre eles o Índice Geral de Preços – Mercado (IGP-M), apurado pela Fundação Getúlio Vargas. No entanto, o índice atinente a julho e agosto de 1994 foi calculado de duas maneiras, sob a justificativa de que a observância do art. 38 produziria resíduo e não preservaria o equilíbrio econômico-financeiro das obrigações reajustáveis em curso. Isso apesar de a lei prever nulidade da aplicação de índice calculado de forma diferente daquela prevista no dispositivo. Uma das maneiras de cálculo do referido índice respeitou o teor do preceito, utilizando-se do chamado IGP-2 ou IGP-M “limpo” a fim de apurar a inflação comparando o real com o equivalente em URV para o dia da coleta de cada preço. De acordo com o IGP-2, a inflação em julho e em agosto foi de, respectivamente, 4,33% e 3,94%. A outra maneira de se proceder ao cálculo, o IGP-M conhecido por alguns economistas como IGP-M “sujo”, calculou a inflação comparando o real com o cruzeiro real, com base na última cotação da URV, de 30 de junho de 1994, ou seja, sem observar o art. 38. De acordo com o IGP-M “sujo”, a inflação em julho e em agosto foi de, respectivamente, 40% e 7,56%. O Tribunal entendeu que, para se calcular a inflação relativa a julho e agosto de 1994, quando em curso o real, os preços coletados para fins de apuração dos índices de correção monetária deveriam estar todos em bases comparáveis, para permitir a medição da perda do poder aquisitivo do real, e não da moeda já extinta, o cruzeiro real. O preceito em debate foi criado para que fossem comparados elementos de iguais atributos. Levar em conta apenas a última cotação da URV importaria retirada de efeito da regra, a criar contradição no sistema não desejada pela lei. Logo, a aplicação do IGP-2 preserva melhor o equilíbrio econômico-financeiro das obrigações pecuniárias em curso. O Tribunal reportou-se à orientação segundo a qual o estabelecimento de critério de conversão de moeda antiga em nova está inserido no âmbito da regulação do Sistema Monetário, ou do Direito Monetário, que, nos termos do art. 22, VI, da CF, é da competência privativa da União. Assentou inexistir expurgos inflacionários, sendo a alegação de existir defasagem na transição da moeda antiga para a nova insuficiente para afastar a aplicação do art. 38. A falácia do argumento reside no fato de que sempre que “falta” inflação no final da conta, “sobra” no início, pois o período de apuração não pode ser maior que o período de competência. Além disso, o Plenário consignou serem inaplicáveis ao caso as orientações proferidas no julgamento da ADI 493. Com efeito, o art. 38 da Lei 8.880/1994 não suprimiu o poder dos índices de correção monetária de aferir a perda do poder aquisitivo da moeda. De mais a mais, na aludida ação direta, não se discutiu a possibilidade de aplicação imediata de lei que introduz nova moeda em circulação. Quanto a esse aspecto, reputou ser constitucional a aplicação imediata do dispositivo às obrigações reajustáveis em curso, firmadas antes de seu advento, porquanto o art. 38 tem natureza institucional estatutária. Ele é parte integrante e inseparável das leis e medidas provisórias responsáveis pela introdução do real. A incidência imediata não decorre de a lei ser de ordem pública, mas do fato de instituir novo estatuto legal. Consoante a jurisprudência da Corte, não é possível opor a cláusula de proteção ao direito adquirido ou ato jurídico perfeito em face da aplicação imediata de normas que tratam de regime monetário, as quais possuem natureza estatutária e institucional, como é a situação daquelas responsáveis por substituir uma moeda por outra. Concluiu que o artigo adversado estabeleceu lógica adequada sob as ópticas jurídica e econômica, é imanente à mudança da moeda e, em sua criação, esteve presente o espírito da preservação do equilíbrio econômico-financeiro dos contratos. O ministro Alexandre de Moraes enfatizou que o IGP-M “sujo” contou duas vezes a inflação e, com sua aplicação, haveria enriquecimento ilícito. Esse índice foi gerado porque se ignorou a lógica da implantação do novo sistema monetário de absorver, desde a criação da URV, dia a dia a inflação. Vencidos os ministros Marco Aurélio e Celso de Mello, que deram interpretação conforme ao dispositivo em comento, para assentar que ele não se sobrepõe aos atos jurídicos perfeitos e acabados, os quais devem ser respeitados. O ministro Marco Aurélio entendeu que o artigo não versou o padrão monetário, e, sim, a correção monetária. Por seu turno, o ministro Celso de Mello compreendeu que mesmo os efeitos futuros oriundos de contratos anteriormente celebrados não se expõem ao domínio normativo de leis supervenientes, ainda que disciplinadoras e institutivas de regime monetário.
Legislação Aplicável
Lei 8.880/1994, art. 38; MP 434/1994; CF/1988, art. 5º, XXXVI, art. 22, VI
Informações Gerais
Número do Processo
77
Tribunal
STF
Data de Julgamento
16/05/2019