Execução provisória da pena e trânsito em julgado de sentença condenatória - 2

STF
896
Direito Constitucional
Geral
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Atualizado em 14 de novembro de 2025

Este julgado integra o

Informativo STF 896

Comentário Damásio

Conteúdo Completo

O Plenário, em conclusão de julgamento e por maioria, denegou a ordem em “habeas corpus” no qual se pleiteava a vedação do início da execução provisória da pena de condenado em primeiro e segundo graus de jurisdição pela prática dos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro (Informativo 895).

Prevaleceu o voto proferido pelo Ministro Edson Fachin (relator), que denegou a ordem, por reputar inexistente qualquer ilegalidade, abusividade ou teratologia no ato apontado como coator.

Inicialmente, o relator registrou que o “writ” trata tão somente da análise da higidez de ato concreto tido como configurador de ilegalidade ou abuso de poder, qual seja, decisão denegatória de “habeas corpus” proferida no âmbito do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Por isso, a matéria a ser analisada fica circunscrita e ostenta menor amplitude em relação às ações objetivas (ADC 43/DF e ADC 44/DF), ainda pendentes de julgamento pelo Plenário, nas quais se discute a temática relativa à possibilidade de execução provisória da pena em segunda instância. Ou seja, não é a hipótese de implementar, nesse julgamento específico, uma revisita ao tema.

Cabe, então, ao Supremo Tribunal Federal (STF) verificar apenas a existência de ilegalidade ou abuso de poder na decisão proferida pelo STJ, levando-se em consideração a configuração constitucional do “habeas corpus” [CF, art. 5º, LXVIII (1)] e a jurisprudência do STF.

Fixadas essas premissas, destacou que o STJ, ao denegar a ordem, aduziu que a execução provisória de acórdão penal condenatório proferido em grau de apelação não compromete o princípio constitucional da presunção de inocência afirmado pelo art. 5º, LVII (2), da Constituição Federal, ainda que sujeito a recurso especial ou extraordinário, na linha de recente jurisprudência do STF (HC 126.292/SP e ARE 964.246/SP).

A decisão impugnada, portanto, se encontrava em sintonia, ao tempo em que proferida, com a compreensão majoritária do Plenário do STF. Até o presente momento, não houve revisão desse entendimento em sede de controle abstrato de constitucionalidade.

Nessa medida, o STJ, ao chancelar a determinação emanada do TRF 4ª, limitou-se a proferir decisão compatível com a jurisprudência da Suprema Corte, a qual deve manter-se íntegra, estável e coerente, por expressa imposição legal [CPC, art. 926 (3)].

Ademais, não procede a alegação de que os citados precedentes seriam destituídos de força obrigatória. Na verdade, é forçoso registrar que o CPC/2015 consolidou cenário processual caracterizado por ferramentas de gestão de litigiosidade voltadas a conferir eficácia obrigatória a determinados precedentes, valendo registrar o que disposto no art. 988, § 5º, II (4).

Nesse âmbito, mesmo que sob a perspectiva dos direitos fundamentais, não se verifica alteração no panorama jurídico que autorize considerar o ato coator como revelador de ilegalidade ou abuso de poder. Isso porque a busca pela racionalidade do sistema penal também passa pela compreensão dos direitos humanos pela perspectiva da proibição de proteção deficiente, devendo as condutas violadoras de direitos humanos ser investigadas e punidas.

O Ministro Alexandre de Moraes também refutou a existência de ilegalidade e abuso de poder no ato atacado, na linha do entendimento exarado pelo relator. A seu ver, é necessário proceder a uma análise da interligação e complementariedade entre o princípio da presunção de inocência e os demais princípios constitucionais penais e processuais penais, em especial, o da efetividade da tutela judicial, do juiz natural, do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório. A interpretação conjunta e teleológica desses princípios leva o intérprete à superação de aparentes contradições.

Nessa medida, o princípio da presunção de inocência não será desrespeitado ante a execução provisória da pena privativa de liberdade, desde que a decisão condenatória tenha observado os demais princípios constitucionais. Ou seja, o juízo de culpabilidade do acusado deve ser firmado com absoluta independência pelo juízo natural, as provas devem ser valoradas sob o enfoque do devido processo legal e a condenação criminal deve ser imposta em decisão colegiada, devidamente motivada, de Tribunal de segundo grau, quando esgotada a possibilidade recursal de cognição plena. Observados tais parâmetros, será possível o início do cumprimento provisório da pena, em respeito ao princípio da tutela penal efetiva.

O Ministro Roberto Barroso reiterou que a questão cinge-se à existência ou não de ilegalidade ou abuso de poder no acórdão do STJ. O cumprimento de precedente do STF, por evidente, não se enquadraria nessas hipóteses.

Ao avançar sobre a matéria de fundo, afirmou que ocorreu uma mutação constitucional relativamente ao art. 5º, LVII, da Constituição Federal, a justificar a modificação da interpretação do princípio da presunção de inocência pelo STF.

É certo que a mutação constitucional pode ocorrer em três hipóteses: a) mudança relevante na realidade social; b) mudança na compreensão do Direito; e c) ocorrência de impactos negativos decorrentes de determinada interpretação. Nesse contexto, a decisão tomada pelo STF, em 2009, no julgamento do HC 84.078/MG — no qual se vedou a execução da pena privativa de liberdade antes do trânsito em julgado da sentença condenatória — produziu três impactos negativos: a) incentivo à interposição infindável de recursos procrastinatórios; b) incremento à seletividade do sistema punitivo brasileiro; e c) geração de descrédito do sistema de Justiça penal junto à sociedade.

Ressaltou, ademais, que a ordem constitucional brasileira não exige o trânsito em julgado da sentença penal condenatória como condição para a decretação de prisão. O que se exige é a ordem escrita da autoridade competente, na forma do art. 5º, LXI, da CF. Assim, o pressuposto para a decretação da prisão no sistema constitucional brasileiro não é o esgotamento dos recursos com o trânsito em julgado, mas a ordem escrita e fundamentada da autoridade competente.

A Ministra Rosa Weber, ao também denegar a ordem, destacou questão que antecede o próprio dimensionamento do art. 5º, LVII, da Constituição Federal. A segurança jurídica, para além de ser um princípio, consiste em valor ínsito à democracia, ao estado de direito e ao próprio conceito de justiça, além de traduzir, na ordem constitucional, uma garantia dos jurisdicionados. Nesse enfoque, a imprevisibilidade, por si só, qualifica-se como elemento capaz de transformar o Direito em arbítrio.

Nessa medida, compreendido o STF como instituição, a simples mudança de composição não constitui fator suficiente para legitimar a alteração da jurisprudência, como tampouco o são razões de natureza pragmática ou conjuntural. Em realidade, a consistência e a coerência no desenvolvimento judicial do Direito são virtudes do sistema normativo enquanto virtudes do próprio Estado de Direito. Assim, as instituições do Estado devem proteger os cidadãos de incertezas desnecessárias referentes aos seus direitos.

O respeito ao precedente judicial baseia-se na premissa fundamental de que decidir casos similares de modo semelhante integra o próprio conceito de justiça, na dimensão da equidade. A relação do Tribunal com o precedente se dá em permanente tensão entre estabilidade e continuidade, de um lado, e os imperativos de adequação, evolução e aperfeiçoamento do Direito, de outro.

Outrossim, o princípio da colegialidade mostra-se imprescindível para o sistema, porquanto a individualidade dentro do Tribunal, no processo decisório, tem um momento delimitado, a partir do qual cede espaço para a razão institucional revelada no voto majoritário da Corte.

Ressalvado o seu entendimento pessoal, a Ministra asseverou que o dever de equidade e o princípio da colegialidade devem nortear a prestação jurisdicional, de modo a justificar a obediência da orientação hoje prevalecente no âmbito do STF.

Nessa linha de raciocínio, afirmou não reputar ilegal, abusivo ou teratológico o acórdão impugnado, ao fundamento de que prevalece nesse Tribunal o entendimento de que a execução provisória de acórdão penal condenatório proferido em julgamento de apelação — ainda que sujeito a recurso especial ou extraordinário — não compromete o princípio constitucional da presunção de inocência.

O Ministro Luiz Fux registrou ser um grande equívoco a interpretação literal que se faz do art. 5º LVII, da CF. Esse dispositivo nada tem a ver com prisão, ausente qualquer relação com a execução provisória da pena. A interpretação literal desse dispositivo representaria a negação do direito do Estado de impor a sua ordem penal.

Vencidos, em menor extensão, os Ministros Gilmar Mendes e Dias Toffoli, que deferiam a ordem de “habeas corpus” para fixar a possibilidade de execução provisória da pena somente a partir do julgamento de recurso especial no STJ.

Vencidos, em maior extensão, os Ministros Ricardo Lewandowski, Marco Aurélio e Celso de Mello, que deferiam a ordem para que o paciente permanecesse em liberdade até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória.

Em seguida, o Tribunal, por unanimidade, rejeitou questão de ordem, suscitada da tribuna pelo advogado do paciente, no sentido de que, havendo empate na votação, a Presidente do Tribunal deveria se abster de votar.

Ao final, o Tribunal indeferiu novo pedido de medida liminar suscitado da tribuna, vencidos os Ministros Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio, bem como cassou o salvo-conduto anteriormente concedido.

Legislação Aplicável

CF: Art. 5º LXVIII e LVII 
 CPC: Art. 926 e Art. 988 § 5º

Informações Gerais

Número do Processo

152752

Tribunal

STF

Data de Julgamento

04/04/2018

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