Este julgado integra o
Informativo STF nº 434
Comentário Damásio
Conteúdo Completo
O Tribunal, por maioria, negou provimento a recurso extraordinário interposto contra acórdão do STJ que, resolvendo conflito de competência suscitado nos autos de inquérito policial instaurado com o objetivo de apurar a prática dos crimes de ameaça, lesão corporal, constrangimento ilegal e/ou tentativa de homicídio, atribuídos a índios, concluíra pela competência da Justiça Comum Estadual, aplicando o Enunciado da Súmula 140 daquela Corte. Prevaleceu o voto do Min. Cezar Peluso, primeiro na divergência, que afirmou sua inclinação no sentido de acompanhar os fundamentos do voto do Min. Maurício Corrêa, quanto ao alcance do art. 109, XI, da CF, no julgamento do HC 81827/MT (DJU de 23.8.2002), qual seja, de caber à Justiça Federal o processo quando nele veiculadas questões ligadas aos elementos da cultura indígena e aos direitos sobre terras, não abarcando delitos isolados praticados sem nenhum envolvimento com a comunidade indígena (CF: “Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar:... XI - a disputa sobre direitos indígenas.”). Para o Min. Cezar Peluso, a expressão “disputa sobre direitos indígenas”, contida no mencionado inciso XI do art. 109, significa: a existência de um conflito que, por definição, é intersubjetivo; que o objeto desse conflito sejam direitos indígenas; e que essa disputa envolva a demanda sobre a titularidade desses direitos. Asseverou, também, estar de acordo com a observação de que o art. 231 da CF se direciona mais para tutela de bens de caráter civil que de bens objeto de valoração estritamente penal (CF: “Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.”). Esclareceu, no entanto, que a norma também inclui todo o crime que constitua um atentado contra a existência do grupo indígena, na área penal, ou crimes que tenham motivação por disputa de terras indígenas ou outros direitos indígenas. Acentuou, por fim, que essa norma, portanto, pressupõe a especificidade da questão indígena. Ou seja, o delito comum cometido por índio contra outro índio ou contra um terceiro que não envolva nada que diga singularmente respeito a sua condição de indígena, não guarda essa especificidade que reclama da Constituição a tutela peculiar prevista no art. 231, nem a competência do art. 109, XI. Afastou, assim, a possibilidade de se ter uma competência “ratione personae” neste último dispositivo. Os Ministros Carlos Britto, Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski acompanharam o voto do relator no sentido de que a regra da competência contida no art. 109, XI, da CF está voltada à proteção dos direitos e interesses da comunidade indígena. O Min. Eros Grau acompanhou o relator quanto ao requisito da especificidade da questão indígena. Os Ministros convergiram quanto à necessidade de que a aludida norma seja interpretada em conjunto com o art. 231 da CF. Afastaram, também, a existência de uma competência “ratione personae”. Acompanharam, ainda, a dissidência os Ministros Sepúlveda Pertence e Ellen Gracie. O Min. Sepúlveda Pertence afirmou que, apesar de não conferir ao conceito “disputa sobre direitos indígenas” uma interpretação estrita, não admitia a existência de um foro ratione personae. Asseverou, entretanto, que a aplicação do art. 109, XI, deve ser casuística, ou seja, há de se indagar se a condição étnica do agente ou da vítima tem a ver com a ocasião ou a motivação do fato criminoso, o que não vislumbrou no caso. Vencidos os Ministros Marco Aurélio, relator, Cármen Lúcia e Joaquim Barbosa, que davam provimento ao recurso para assentar a competência da Justiça Federal, ressaltando a necessidade de se emprestar a maior eficácia possível à Constituição — no que enfatizou a proteção dos índios — e, tendo em conta inexistir restrição ao que contido no inciso XI do seu art. 109, interpretar o vocábulo “disputa”, dele constante, de forma a abranger qualquer conflito, em cujo âmbito se situam os crimes praticados pelos indígenas.
Legislação Aplicável
Súmula 140/STJ; CF/1988, art. 109, XI, art. 231
Informações Gerais
Número do Processo
419528
Tribunal
STF
Data de Julgamento
03/08/2006