Flexibilização da aquisição de armas de fogo por meio de decreto presidencial

STF
1069
Direito Administrativo
Direito Constitucional
Geral
2 min de leitura
Atualizado em 14 de novembro de 2025

Este julgado integra o

Informativo STF 1069

Tese Jurídica

“Os processos administrativos sancionadores instaurados por agências reguladoras contra concessionárias de serviço público devem obedecer ao princípio da publicidade durante toda a sua tramitação, ressalvados eventuais atos que se enquadrem nas hipóteses de sigilo previstas em lei e na Constituição”.

Comentário Damásio

Resumo

A flexibilização, via decreto presidencial, dos critérios e requisitos para a aquisição de armas de fogo prejudica a fiscalização do Poder Público, além de violar a competência legislativa em sentido estrito para a normatização das hipóteses legais quanto à sua efetiva necessidade.

Conteúdo Completo

A flexibilização, via decreto presidencial, dos critérios e requisitos para a aquisição de armas de fogo prejudica a fiscalização do Poder Público, além de violar a competência legislativa em sentido estrito para a normatização das hipóteses legais quanto à sua efetiva necessidade.

Do exame do ordenamento jurídico-constitucional brasileiro, já consideradas as incorporações provenientes do direito internacional sobre direitos humanos, é possível concluir que (a) o direito à vida e à segurança geram o dever positivo do Estado ser o agente primário na construção de uma política pública de segurança e controle da violência armada; (b) não existe direito fundamental de possuir armas de fogo no Brasil; (c) ainda que a Constituição Federal não proíba universalmente a aquisição e o porte de armas de fogo, ela exige que sempre ocorram em caráter excepcional, devidamente justificado por uma particular necessidade; (d) o dever de diligência estatal o obriga a conceber e implementar mecanismos institucionais e regulatórios apropriados para o controle do acesso a armas de fogo, como procedimentos fiscalizatórios de licenciamento, de registro, de monitoramento periódico e de exigência de treinamentos compulsórios; e (e) qualquer política pública que envolva acesso a armas de fogo deve observar os requisitos da necessidade, da adequação e da proporcionalidade.

Nesse contexto, não cabe ao Poder Executivo, no exercício de sua atividade regulamentar, criar presunções de efetiva necessidade para a aquisição de uma arma de fogo distintas das hipóteses já disciplinadas em lei, visto se tratar de requisito cuja demonstração fática é indispensável, mostrando-se impertinente estabelecer a inversão do ônus probatório quanto à veracidade das informações constantes na declaração de seu preenchimento (1).

Com base nesse entendimento, o Plenário, por maioria, em apreciação conjunta, referendou (i) a decisão que: (i.1) concedeu com efeitos ex nunc a medida cautelar para suspender a eficácia do art. 12, § 1º e § 7º, IV, do Decreto 5.123/2004 (com alteração dada pelo Decreto 9.685/2019); do art. 9º, § 1º, do Decreto 9.785/2019; e do art. 3º, § 1º, do Decreto 9.845/2019; e (i.2) concedeu a cautelar para conferir interpretação conforme à Constituição ao art. 4º do Estatuto do Desarmamento; ao inciso I do art. 9º do Decreto 9.785/2019; e ao inciso I do art. 3º do Decreto 9.845/2019, fixando a orientação hermenêutica de que a posse de armas de fogo só pode ser autorizada às pessoas que demonstrem concretamente, por razões profissionais ou pessoais, possuírem efetiva necessidade; (ii) a decisão que concedeu, com efeitos ex nunc, a medida cautelar para: (ii.1) dar interpretação conforme a Constituição ao art. 4º, § 2º, da Lei 10.826/2003, para se fixar a tese de que a limitação dos quantitativos de munições adquiríveis se vincula àquilo que, de forma diligente e proporcional, garanta apenas o necessário à segurança dos cidadãos; (ii.2) dar interpretação conforme a Constituição ao art. 10, § 1º, I, da Lei 10.826/2003, para fixar a tese hermenêutica de que a atividade regulamentar do Poder Executivo não pode criar presunções de efetiva necessidade outras que aquelas já disciplinadas em lei; (ii.3) dar interpretação conforme a Constituição ao art. 27 da Lei 10.826/2003, a fim de fixar a tese hermenêutica de que aquisição de armas de fogo de uso restrito só pode ser autorizada no interesse da própria segurança pública ou da defesa nacional, não em razão do interesse pessoal do requerente; e (ii.4) suspender a eficácia do art. 3º, II, a, b e c do Decreto 9.846/2019; e (iii) a decisão que concedeu, com efeitos ex nunc, a medida cautelar para: (iii.1) dar interpretação conforme a Constituição ao art. 4º, § 2º, da Lei 10.826/2003; ao art. 2º, § 2º, do Decreto 9.845/2019; e ao art. 2º, § 3º, do Decreto 9.847/2019, fixando a tese de que os limites quantitativos de munições adquiríveis se limitam àquilo que, de forma diligente e proporcional, garanta apenas o necessário à segurança dos cidadãos; e (iii.2) suspender a eficácia da Portaria Interministerial 1.634/2020-GM-MD.

(1) Lei 10.826/2003: “Art. 4º Para adquirir arma de fogo de uso permitido o interessado deverá, além de declarar a efetiva necessidade, atender aos seguintes requisitos: I - comprovação de idoneidade, com a apresentação de certidões negativas de antecedentes criminais fornecidas pela Justiça Federal, Estadual, Militar e Eleitoral e de não estar respondendo a inquérito policial ou a processo criminal, que poderão ser fornecidas por meios eletrônicos; II – apresentação de documento comprobatório de ocupação lícita e de residência certa; III – comprovação de capacidade técnica e de aptidão psicológica para o manuseio de arma de fogo, atestadas na forma disposta no regulamento desta Lei. § 1º O Sinarm expedirá autorização de compra de arma de fogo após atendidos os requisitos anteriormente estabelecidos, em nome do requerente e para a arma indicada, sendo intransferível esta autorização. § 2º A aquisição de munição somente poderá ser feita no calibre correspondente à arma registrada e na quantidade estabelecida no regulamento desta Lei. § 3º A empresa que comercializar arma de fogo em território nacional é obrigada a comunicar a venda à autoridade competente, como também a manter banco de dados com todas as características da arma e cópia dos documentos previstos neste artigo. § 4º A empresa que comercializa armas de fogo, acessórios e munições responde legalmente por essas mercadorias, ficando registradas como de sua propriedade enquanto não forem vendidas. § 5º A comercialização de armas de fogo, acessórios e munições entre pessoas físicas somente será efetivada mediante autorização do Sinarm. § 6º A expedição da autorização a que se refere o § 1o será concedida, ou recusada com a devida fundamentação, no prazo de 30 (trinta) dias úteis, a contar da data do requerimento do interessado. § 7º O registro precário a que se refere o § 4º prescinde do cumprimento dos requisitos dos incisos I, II e III deste artigo. § 8º Estará dispensado das exigências constantes do inciso III do caput deste artigo, na forma do regulamento, o interessado em adquirir arma de fogo de uso permitido que comprove estar autorizado a portar arma com as mesmas características daquela a ser adquirida. (...) Art. 10. A autorização para o porte de arma de fogo de uso permitido, em todo o território nacional, é de competência da Polícia Federal e somente será concedida após autorização do Sinarm. § 1º A autorização prevista neste artigo poderá ser concedida com eficácia temporária e territorial limitada, nos termos de atos regulamentares, e dependerá de o requerente: I – demonstrar a sua efetiva necessidade por exercício de atividade profissional de risco ou de ameaça à sua integridade física; II – atender às exigências previstas no art. 4º desta Lei; III – apresentar documentação de propriedade de arma de fogo, bem como o seu devido registro no órgão competente. § 2º A autorização de porte de arma de fogo, prevista neste artigo, perderá automaticamente sua eficácia caso o portador dela seja detido ou abordado em estado de embriaguez ou sob efeito de substâncias químicas ou alucinógenas. (...) Art. 27. Caberá ao Comando do Exército autorizar, excepcionalmente, a aquisição de armas de fogo de uso restrito. Parágrafo único. O disposto neste artigo não se aplica às aquisições dos Comandos Militares.”

Legislação Aplicável

Lei 10.826/2003, arts. 4º, 10 e 27;
Decreto 5.123/2004, art. 12, § 1º e 7º, IV (com alteração dada pelo Decreto 9.685/2019);
Decreto 9.785/2019, art. 9º, I e § 1º;
Decreto 9.845/2019, art. 2º, § 2º e art. 3º, § 1º;
Decreto 9.846/2019, art. 3º, II, a, b e c;
Decreto 9.847/2019, art. 2º, § 3º;
Portaria Interministerial 1.634/2020-GM-MD

Informações Gerais

Número do Processo

6466

Tribunal

STF

Data de Julgamento

20/09/2022