Empréstimos consignados e retenção por prefeito

STF
826
Direito Penal
Geral
2 min de leitura
Atualizado em 14 de novembro de 2025

Este julgado integra o

Informativo STF 826

Tese Jurídica

A transação extrajudicial que importa rescisão do contrato de trabalho em razão de adesão voluntária do empregado a plano de dispensa incentivada enseja quitação ampla e irrestrita de todas as parcelas objeto do contrato de emprego caso essa condição tenha constado expressamente do acordo coletivo que aprovou o plano, bem como dos demais instrumentos celebrados com o empregado.

Comentário Damásio

Conteúdo Completo

A Primeira Turma, por maioria, julgou procedente pedido formulado em ação penal para condenar acusado da prática dos crimes de peculato-desvio e assunção de obrigação no último ano do mandato (CP, artigos 312 e 359-C) à pena de dois anos, oito meses e vinte dias de reclusão, em regime inicial aberto, além da pena pecuniária de doze dias multa. Na espécie, o acusado teria desviado numerário referente a retenções feitas administrativamente nas remunerações de servidores públicos municipais que contraíram empréstimos consignados junto a determinada instituição financeira. Além disso, em razão da não transferência do referido numerário ao banco, o acusado autorizara a assunção de obrigação para com a referida instituição no montante de R$ 8.385.486,73 no último ano do seu mandato. A defesa sustentava: a) a violação do princípio do promotor natural; b) a inexistência de fato típico; c) a impossibilidade de responsabilização objetiva do acusado; d) a configuração de hipótese de inexigibilidade de conduta diversa; e) o caráter privado dos valores correspondentes dos créditos consignados, o que não ensejaria a configuração do crime de peculato; e f) a ausência de prova quanto ao crime de assunção de obrigação no último ano do mandato. Preliminarmente, a Turma rejeitou a alegação de violação ao princípio do promotor natural, reiterado o quanto decidido no HC 90.277/DF (DJe de 1º.8.2008) no sentido da inexistência do citado princípio no ordenamento jurídico brasileiro. No mérito, o Colegiado, relativamente à imputação do crime de peculato-desvio, assentou a materialidade do delito. A consumação desse crime ocorreria no momento que houvesse a efetiva destinação diversa do dinheiro ou valor de que tivesse posse o agente, independente da obtenção material de proveito próprio ou alheio. Assim, a consumação, no caso em comento, teria se dado com a não transferência dos valores retidos na fonte dos servidores municipais ao banco detentor do crédito, referentes a empréstimos consignados em folha de pagamento. Com isso, teria havido a alteração do destino da aplicação dos referidos valores. O município seria mero depositário das contribuições descontadas dos contracheques de seus servidores, as quais pertenceriam ao banco. Desse modo, os valores retidos não seriam do Município, não configurando receita pública. Tratar-se-ia de verba particular não integrante do patrimônio público. 
Relativamente à autoria do delito, além do dolo na conduta verificada, a Turma consignou que o acusado, na qualidade de prefeito, teria deixado de repassar os valores retidos dos salários dos servidores municipais à instituição financeira, descumprindo os termos do convênio firmado entre esta última e o município. O réu, em seu interrogatório, teria afirmado que o não repasse dos valores ao banco se dera em função da necessidade de pagamento de funcionários do município, que se encontraria em momento de crise, e que, posteriormente, com o repasse de ICMS pelo governo estadual, faria a compensação das consignações. Assim, teria ficado provada a intenção, o dolo, de não repassar os valores para a instituição financeira, descumprindo, também, a legislação referente a operações de crédito com desconto em folha de pagamento (Lei 10.820/2003). Portanto, a partir do momento em que o acusado, consciente e voluntariamente, se apropria de verbas que detém em razão do cargo que ocupa e as desvia para finalidade distinta, pagando os salários dos servidores municipais, não haveria dúvidas quanto à pratica do delito de peculato-desvio. 
A Turma ressaltou a existência de depoimentos constantes dos autos a apontar que o município em questão estaria passando por dificuldades em razão da crise mundial, além de ter sido prejudicado no repasse proveniente do Fundo de Participação dos Municípios. Assim, segundo alegado pela defesa, o acusado não teria outra solução que não a de reter as verbas destinadas para o pagamento de seus servidores, as quais possuiriam natureza alimentar. No entanto, também constaria dos autos informação relativa ao aumento da folha de pagamento do município, com a contratação de pessoal, e à efetivação de repasses voluntários para instituições não governamentais. A existência desses fatos tornaria inviável o reconhecimento de hipótese de inexigibilidade de conduta diversa a afastar o juízo de reprovação penal. Outrossim, também estaria comprovada nos autos a materialidade e a autoria do crime de assunção de obrigação no último ano de mandato. A conduta em comento estaria intimamente ligada ao crime de peculato-desvio, já que no último ano não fora repassado ao banco beneficiário os valores retidos dos servidores municipais e, consequentemente, fora deixada para a administração posterior o encargo de quitar esses débitos. Vencidos, em parte, os Ministros Luiz Fux e Marco Aurélio, que vislumbravam a existência, na hipótese em comento, unicamente do delito previsto no art. 359-C do CP.

Legislação Aplicável

CP, arts. 312 e 359-C.
Lei 10.820/2003.

Informações Gerais

Número do Processo

916

Tribunal

STF

Data de Julgamento

17/05/2016

Carregando conteúdo relacionado...