Cobertura do seguro habitacional obrigatório do SFH para vícios estruturais após a extinção contratual
Cinge-se a controvérsia a definir se os prejuízos resultantes de sinistros relacionados a vícios estruturais de construção estão acobertados pelo seguro habitacional obrigatório, vinculado a crédito imobiliário concedido para aquisição de imóvel pelo Sistema Financeiro da Habitação - SFH. Em virtude da mutualidade ínsita ao contrato de seguro, o risco coberto é previamente delimitado e, por conseguinte, limitada é também a obrigação da seguradora de indenizar. Mas o exame dessa limitação não pode perder de vista a própria causa do contrato de seguro, que é a garantia do interesse legítimo do segurado. Assim como tem o segurado o dever de veracidade nas declarações prestadas, a fim de possibilitar a correta avaliação do risco pelo segurador, a boa-fé objetiva impõe ao segurador, na fase pré-contratual, o dever, dentre outros, de dar informações claras e objetivas sobre o contrato, para permitir que o segurado compreenda, com exatidão, o verdadeiro alcance da garantia contratada, e, nas fases de execução e pós-contratual, o dever de evitar subterfúgios para tentar se eximir de sua responsabilidade com relação aos riscos previamente determinados. Esse dever de informação do segurador ganha maior importância quando se trata de um contrato de adesão - como, em regra, são os contratos de seguro -, pois se trata de circunstância que, por si só, torna vulnerável a posição do segurado. A necessidade de se assegurar, na interpretação do contrato, um padrão mínimo de qualidade do consentimento do segurado, implica o reconhecimento da abusividade formal das cláusulas que desrespeitem ou comprometam a sua livre manifestação de vontade, como parte vulnerável. No âmbito do SFH, o seguro habitacional ganha conformação diferenciada, uma vez que integra a política nacional de habitação, destinada a facilitar a aquisição da casa própria, especialmente pelas classes de menor renda da população, tratando-se, pois, de contrato obrigatório que visa à proteção da família e à salvaguarda do imóvel que garante o respectivo financiamento imobiliário, resguardando, assim, os recursos públicos direcionados à manutenção do sistema . A partir dessa perspectiva, infere-se que uma das justas expectativas do segurado, ao aderir ao seguro habitacional obrigatório para aquisição da casa própria pelo SFH, é a de receber o bem imóvel próprio e adequado ao uso a que se destina. E a essa expectativa legítima de garantia corresponde a de ser devidamente indenizado pelos prejuízos suportados em decorrência de danos originados na vigência do contrato e geradores dos riscos cobertos pela seguradora, segundo o previsto na apólice, como razoavelmente se pressupõe ocorrer com os vícios estruturais de construção. Ora, os danos suportados pelos segurados não são verificados exclusivamente em razão do decurso do tempo e da utilização normal da coisa, mas resultam de vícios estruturais de construção, a que não deram causa, nem poderiam de qualquer modo evitar, e que, evidentemente, apenas se agravam com o decurso do tempo e a utilização normal da coisa. A interpretação fundada na boa-fé objetiva, contextualizada pela função socioeconômica que desempenha o contrato de seguro habitacional obrigatório vinculado ao SFH, leva a concluir que a restrição de cobertura, no tocante aos riscos indicados, deve ser compreendida como a exclusão da responsabilidade da seguradora com relação aos riscos que resultem de atos praticados pelo próprio segurado ou do uso e desgaste natural e esperado do bem, tendo como baliza a expectativa de vida útil do imóvel, porque configuram a atuação de forças normais sobre o prédio. Os vícios estruturais de construção provocam, por si mesmos, a atuação de forças anormais sobre a edificação, na medida em que, se é fragilizado o seu alicerce, qualquer esforço sobre ele - que seria naturalmente suportado, acaso a estrutura estivesse íntegra - é potencializado, do ponto de vista das suas consequências, porque apto a ocasionar danos não esperados na situação de normalidade de fruição do bem. Desse modo, à luz dos parâmetros da boa-fé objetiva e da função social do contrato, que os vícios estruturais de construção estão acobertados pelo seguro habitacional, cujos efeitos devem se prolongar no tempo, mesmo após a conclusão do contrato, para acobertar o sinistro concomitante à vigência deste, ainda que só se revele depois de sua extinção (vício oculto).
Manutenção de créditos de PIS e Cofins no regime monofásico além do REPORTO
As Leis ns. 10.637/02 e 10.833/03, ao regerem o sistema não cumulativo da contribuição ao PIS e da Cofins, expressamente definem as situações nas quais é possível o creditamento. De igual forma, excluem do direito ao crédito o valor da aquisição de bens ou serviços não sujeitos ao pagamento da contribuição, inclusive no caso de isenção, quando revendidos ou utilizados como insumo em produtos ou serviços sujeitos à alíquota zero, isentos ou não alcançados pela contribuição. A Lei n. 11.033, de 21 de dezembro de 2004 por sua vez, ao disciplinar, dentre outros temas, o Regime Tributário para Incentivo à Modernização e à Ampliação da Estrutura Portuária - REPORTO, instituiu benefícios fiscais como a suspensão da contribuição ao PIS e da Cofins, convertendo-se em operação, inclusive de importação, sujeita à alíquota zero após o decurso do prazo de 5 (cinco) anos, contados da data da ocorrência do respectivo fato gerador, das vendas e importações realizadas aos beneficiários do REPORTO, consoante a dicção de seu art. 14, § 2º. Por seu turno, o art. 17 desse diploma legal assegura a manutenção dos créditos existentes de contribuição ao PIS e da Cofins, ainda que a revenda não seja tributada. Desse modo, permite-se àquele que efetivamente adquiriu créditos dentro da sistemática da não cumulatividade não seja obrigado a estorná-los ao efetuar vendas submetidas à suspensão, isenção, alíquota zero ou não incidência da contribuição ao PIS e da Cofins. Cumpre salientar que tal dispositivo não se aplica apenas às operações realizadas com beneficiários do regime do REPORTO, porquanto não traz expressa essa limitação, além de não vincular as vendas de que trata às efetuadas na forma do art. 14 da mesma lei. Desse modo, a análise conjunta do art. 3º, § 2º, II, de ambas as Leis ns. 10.637/2002 e 10.833/2003, com o comando contido no art. 17 da Lei n. 11.033/2004, impõe a conclusão segundo a qual este, por tratar-se de dispositivo legal posterior e que regula inteiramente a matéria de que cuidam aqueles, revogou-os tacitamente, a teor do art. 2º, § 1º, da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro - LINDB. Assim, a vedação legal então existente para a utilização de créditos na tributação monofásica foi afastada por dispositivo legal que expressamente autoriza o crédito de contribuição ao PIS e da Cofins na hipótese.
Prescrição quinquenal da pretensão indenizatória por responsabilidade civil médica em atendimento SUS
Segundo estabelecem os arts. 196 e seguintes da CF/1988, a saúde, direito fundamental de todos, é dever do Estado, cabendo à iniciativa privada participar, em caráter complementar (art. 4º, § 2º, da Lei n. 8.080/1990), do conjunto de ações e serviços que visem favorecer o acesso universal e igualitário às atividades voltadas a sua promoção, proteção e recuperação, constituindo um sistema único - o SUS. A participação complementar da iniciativa privada na execução de ações e serviços de saúde se formaliza mediante contrato ou convênio com a administração pública (parágrafo único do art. 24 da Lei n. 8.080/1990), nos termos da Lei n. 8.666/1990 (art. 5º da Portaria n. 2.657/2016 do Ministério da Saúde), utilizando-se como referência, para efeito de remuneração, a Tabela de Procedimentos do SUS (§ 6º do art. 3º da Portaria n. 2.657/2016 do Ministério da Saúde). Quando prestado diretamente pelo Estado, no âmbito de seus hospitais ou postos de saúde, ou quando delegado à iniciativa privada, por convênio ou contrato com a administração pública, para prestá-lo às expensas do SUS, o serviço de saúde constitui serviço público social. A participação complementar da iniciativa privada - seja das pessoas jurídicas, seja dos respectivos profissionais - na execução de atividades de saúde caracteriza-se como serviço público indivisível e universal (uti universi), o que afasta, por conseguinte, a incidência das regras do CDC. Dessa forma, afastada a incidência do art. 27 do CDC, tem-se a aplicação, na espécie, do art. 1º-C da Lei n. 9.494/1997, segundo o qual prescreverá em cinco anos o direito de obter indenização dos danos causados pelos agentes de pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços públicos. Ainda, as Turmas que compõem a Segunda Seção firmaram o entendimento de que "tal norma (art. 1º-C da Lei n. 9.494/1997), por ter natureza especial, destinando-se clara e especificamente aos danos causados por agentes de pessoas jurídicas de direito público ou privado prestadoras de serviços públicos, não foi revogada, expressa ou tacitamente, pelo art. 206, § 3º, V, do CC/2002, de natureza geral", e de que "o Poder Judiciário, na sua atividade de interpretação e de aplicação da lei, têm considerado o prazo de 5 (cinco) anos mais adequado e razoável para a solução de litígios relacionados às atividades do serviço público, sob qualquer enfoque" (REsp 1.083.686/RJ, Quarta Turma, julgado em 15/08/2017, DJe de 29/08/2017).
Cessão de direitos hereditários e proteção possessória por embargos de terceiro
No caso, busca-se a comprovação da propriedade/posse do imóvel objeto de penhora, por meio de embargos de terceiro opostos por adquirente de direitos hereditários sobre imóvel pertencente a espólio, cedidos a terceiros antes de ultimada a partilha com a anuência daquelas que se apresentavam como únicas herdeiras, a despeito do reconhecimento de outros dois sucessores por sentença proferida em ação de investigação de paternidade cumulada com petição de herança. Quanto ao ponto, consigna-se que, em regra, o juízo de procedência dos embargos de terceiro está condicionado à comprovação da posse ou do domínio sobre o imóvel que sofreu a constrição, por meio de prova documental ou testemunhal, cabendo ao juiz, no caso de reconhecer suficientemente provado o domínio ou a posse, determinar a suspensão das medidas constritivas sobre o bem litigioso, além da manutenção ou da reintegração provisória da posse, se o embargante a houver requerido (arts. 677 e 678 do CPC/2015). Quanto à cessão de direitos, o Código Civil de 2002 dispõe: "Art. 1.793. O direito à sucessão aberta, bem como o quinhão de que disponha o co-herdeiro, pode ser objeto de cessão por escritura pública. § 2º É ineficaz a cessão, pelo co-herdeiro, de seu direito hereditário sobre qualquer bem da herança considerado singularmente". No que tange, à existência, à validade e à eficácia da cessão de direitos hereditários sobre bem determinado da herança, observa-se que: a) a cessão de direitos hereditários sobre bem singular, desde que celebrada por escritura pública e não envolva o direito de incapazes, não é negócio jurídico nulo, tampouco inválido, ficando apenas a sua eficácia condicionada a evento futuro e incerto consubstanciado na efetiva atribuição do bem ao herdeiro cedente por ocasião da partilha; b) a ineficácia se opera somente em relação aos demais herdeiros; c) se celebrado pelo único herdeiro ou havendo a anuência de todos os coerdeiros, o negócio é válido e eficaz desde o seu nascimento, independentemente de autorização judicial, pois o que a lei busca evitar é que um único herdeiro, em prejuízo dos demais, aliene um bem que ainda não lhe pertence, e d) se o negócio não é nulo, mas tem apenas a sua eficácia suspensa, a cessão de direitos hereditários sobre bem singular viabiliza a transmissão da posse, que pode ser objeto de tutela específica na via dos embargos de terceiro. Assim, embora controvertida a matéria, tanto na doutrina como na jurisprudência dos tribunais, o fato de não ser a cessão de direitos hereditários sobre bem individualizado eivada de nulidade, mas apenas ineficaz em relação aos coerdeiros que com ela não anuíram, é o quanto basta para, na via dos embargos de terceiro, assegurar à cessionária a manutenção de sua posse. Salienta-se, ademais, que admite-se a oposição de embargos de terceiro fundados em alegação de posse advinda do compromisso de compra e venda de imóvel, mesmo que desprovido do registro, a teor da Súmula n. 84/STJ, entendimento que também deve ser aplicado na hipótese em que a posse é defendida com base em instrumento público de cessão de direitos hereditários.
Letra de câmbio não aceita ação extracambial contra sacado e prescrição imune ao protesto
Cinge-se a discussão a determinar se o protesto da letra não aceita e que não circula tem o condão de interromper o prazo prescricional da dívida que serviu de causa subjacente para a emissão do título de crédito. Entre os efeitos do protesto, o Código Civil prevê, em seu art. 202, III, a possibilidade de que o protesto cambial interrompa a prescrição. É necessário, no entanto, estabelecer o efetivo alcance dessa disposição do diploma material civil, a fim de se afastar equívocos interpretativos que poderiam conduzir a efeitos indesejados pela norma. Deve-se entender que a prescrição interrompida pelo protesto cambial se refere, conforme aduz a doutrina, única e exclusivamente à "ação cambiária, regra que se aplica por não existir na legislação cambiária norma sobre a matéria", e, ademais, somente tem em mira a pretensão dirigida ao responsável principal e, eventualmente, aos devedores indiretos do título, entre os quais não se enquadra o sacado não aceitante. De fato, por força do princípio da autonomia das relações cambiais ? segundo o qual a relação jurídica causal que enseja a emissão do título e a relação cambiária são completamente distintas, não estando, nos termos da doutrina, "o cumprimento das obrigações assumidas por alguém no título vinculado a outra obrigação qualquer, mesmo ao negócio que deu lugar ao nascimento do título" , a interrupção da prescrição deve atingir unicamente a ação cambiária. Dessa forma, na letra de câmbio não aceita, não há obrigação cambial que vincule o sacado e, assim, o sacador somente tem ação extracambial contra o sacado não aceitante, cujo prazo prescricional não sofre as interferências do protesto do título de crédito. Ademais, o prazo prescricional da ação cambial interrompida pelo protesto se refere àquela que pode ser exercitada pelo portador contra o responsável principal e os devedores indiretos. Isso é, por sua vez, decorrência da leitura do art. 70 da Lei Uniforme de Genebra, que é regra especial em relação ao Código Civil quanto ao tema e que estabelece, em seu caput, o prazo de 3 anos para a ação contra o aceitante e, em sua alínea primeira, o prazo de um ano para as ações do portador contra os endossantes e contra o sacador, a contar da data do protesto feito em tempo útil, e do art. 71 do referido diploma legislativo, segundo o qual "a interrupção da prescrição só produz efeito em relação à pessoa para quem a interrupção foi feita". Portanto, nas letras de câmbio sacadas na vigência do Código Civil/2002 e nas quais não tenha havido aceite pelo sacado, seu protesto somente produz efeito interruptivo sobre o prazo prescricional sobre as ações cambiárias do portador sobre o aceitante ou sobre o sacador e os demais devedores indiretos, na hipótese de ter ocorrido sua circulação.