Impossibilidade de audiência de custódia por videoconferência no processo penal
A Resolução n. 213 do CNJ é clara ao estabelecer que, no caso de cumprimento de mandado de prisão fora da jurisdição do juiz que a determinou, a apresentação do preso, para a audiência de custódia, deve ser feita à autoridade competente na localidade em que ocorreu a prisão, de acordo com a Lei de Organização Judiciária local. No caso de audiência de custódia realizada por juízo diverso daquele que decretou a prisão, observa que competirá à autoridade judicial local apenas, caso necessário, adotar medidas necessárias à preservação do direito da pessoa presa. As demais medidas, ou não são aplicáveis no caso de prisão preventiva ou não possui o juízo diverso do que decretou a prisão competência para a efetivar. De fato, uma das finalidades precípuas da audiência de custódia é aferir se houve respeito aos direitos e garantias constitucionais da pessoa presa. Assim, demanda-se que seja realizada pelo juízo com jurisdição na localidade em que ocorreu o encarceramento. É essa autoridade judicial que, naquela unidade de exercício do poder jurisdicional, tem competência para tomar medidas para resguardar a integridade do preso, bem assim de fazer cessar agressões aos seus direitos fundamentais, e também determinar a apuração das responsabilidades, caso haja relato de que houve prática de torturas e maus tratos. Nesse contexto, foge à ratio essendi do instituto a sua realização por meio de videoconferência. Registre-se que o Presidente do Conselho Nacional de Justiça, ao deferir a medida liminar para suspender a Resolução CM n. 09/2019, que permitia a realização da audiência de custódia por meio de videoconferência destacou que "o Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas (DMF) considerou que a apresentação pessoal do preso é fundamental para inibir e, sobretudo, coibir, as indesejadas práticas de tortura e maus tratos, pois que a transmissão de som e imagem não tem condições de remediar as vantagens que o contato e a relação direta entre juiz e jurisdicionado proporciona". Não se admite, portanto, por ausência de previsão legal, a realização da audiência de custódia por meio de videoconferência, ainda que pelo Juízo que decretou a custódia cautelar.
Competência do juízo recuperacional para tutela de urgência prévia sobre stay period e atos expropriatórios
O artigo 189 da Lei n. 11.101/2005 (Lei de Falências e Recuperação de Empresas) determina que se apliquem aos processos de recuperação e falência as normas do Código de Processo Civil, no que couber, sendo possível concluir que o Juízo da recuperação está investido do poder geral de tutela provisória (arts. 297, 300 e 301 do CPC/2015), podendo determinar medidas tendentes a alcançar os fins previstos no artigo 47 da LFRE. Um dos pontos mais importantes do processo de recuperação judicial é a suspensão das execuções contra a sociedade empresária que pede o benefício, o chamado stay period (art. 6º da LFRE). Essa pausa na perseguição individual dos créditos é fundamental para que se abra um espaço de negociação entre o devedor e seus credores, evitando que, diante da notícia do pedido de recuperação, se estabeleça uma verdadeira corrida entre os credores, cada qual tentando receber o máximo possível de seu crédito, com o consequente perecimento dos ativos operacionais da empresa. A suspensão das execuções e, por consequência, dos atos expropriatórios, é medida com nítido caráter acautelatório, buscando assegurar a elaboração e aprovação do plano de recuperação judicial pelos credores ou, ainda, a paridade nas hipóteses em que o plano não alcance aprovação e seja decretada a quebra. Apesar de as execuções fiscais não se suspenderem com o processamento da recuperação judicial (art. 6º, § 7º, da LFRE), a jurisprudência desta Corte se firmou no sentido de que os atos expropriatórios devem ser submetidos ao juízo da recuperação judicial, em homenagem ao princípio da preservação da empresa.
Competência territorial no estelionato por depósito em conta de terceiro foro da conta favorecida
Até recentemente, a jurisprudência desta Corte orientava que, nos casos em que a vítima houvesse sido induzida a erro a efetuar depósito ou transferência bancária para conta de terceiro, o local da consumação do crime de estelionato seria o da agência bancária onde efetivada a transferência ou o depósito. Em precedentes mais recentes, a Terceira Seção modificou tal orientação, estabelecendo diferenciação entre a hipótese em que o estelionato se dá mediante falsificação ou adulteração de cheque (consumação no banco sacado, onde a vítima mantém a conta bancária), do caso no qual o crime ocorre mediante depósito ou transferência bancária (consumação na agência beneficiária do depósito ou da transferência bancária). Ocorre que há precedente subsequente (CC n. 166.009/SP, julgado em 28/8/2019) que restaurou a orientação primeva, no sentido de que o prejuízo, na hipótese de transferência bancária, seria o do local da agência bancária da vítima. Em razão da oscilação do entendimento jurisprudencial da própria Terceira Seção, a matéria foi novamente apreciada pelo colegiado. Anote-se que a melhor solução jurídica seria aquela que estabelece distinção entre a hipótese de estelionato mediante depósito de cheque clonado ou adulterado (competência do Juízo do local onde a vítima mantém conta bancária), daquela na qual a vítima é induzida a efetivar depósito ou transferência bancária em prol do beneficiário da fraude (competência do Juízo onde situada a agência bancária beneficiária do depósito ou transferência). Assim, se o crime só se consuma com a efetiva obtenção da vantagem indevida pelo agente ativo, é certo que só há falar em consumação, nas hipóteses de transferência e depósito, quando o valor efetivamente ingressa na conta bancária do beneficiário da fraude.
Arbitramento de honorários sucumbenciais em execução extrajudicial como título executivo ante omissão em sentença homologatória
Discute-se se, revogado o mandato dos patronos da parte no curso da ação, é necessário o ajuizamento de ação autônoma para arbitramento de honorários sucumbenciais ou se é possível a execução da verba honorária nos próprios autos da demanda extinta em decorrência da sentença homologatória de transação firmada entre as partes, a qual não dispôs sobre os honorários. Relembre-se que o art. 23 da Lei n. 8.906/1994 (Estatuto da OAB) determina que os honorários incluídos na condenação, por arbitramento ou sucumbência, pertencem ao advogado. O caput do art. 24 do mesmo diploma prevê que a decisão judicial que fixar ou arbitrar honorários e o contrato escrito que os estipular são títulos executivos, enquanto o seu § 1º possibilita que a execução dos honorários seja promovida nos mesmos autos da ação em que tenha atuado o advogado, se assim lhe convier. É incontroverso que a jurisprudência desta Corte Superior entende que os honorários fixados no despacho inicial da execução possuem caráter provisório, ou seja, poderão ser majorados, reduzidos ou excluídos, conforme o resultado final do processo. Esse entendimento decorre da interpretação do art. 827, caput e § 2º, do CPC/2015, o qual dispõe que o magistrado, ao despachar a inicial da execução, fixará os honorários advocatícios em 10% sobre o valor do débito, sendo possível a majoração de tal verba para até 20%, caso rejeitados os embargos à execução. Ao fazer a interpretação da referida regra conjuntamente com o § 1º daquele mesmo dispositivo, percebe-se que a legislação de regência prevê apenas a majoração dos honorários fixados na decisão que recebe a ação de execução, não havendo previsão legal para que a aludida verba seja reduzida, salvo no caso de pagamento do débito no prazo de 3 (três) dias. Ressalte-se, ainda, que a transação extrajudicial ocorrida na hipótese se deu para reconhecimento do débito e parcelamento do débito, de maneira que houve sucumbência por parte da devedora, que reconheceu sua dívida e se comprometeu a adimpli-la nos termos do acordo firmado. Pontue-se, ademais, que o caso em apreço possui uma questão específica, que é o fato de ter o pedido de homologação da transação extrajudicial sido protocolado exatamente no dia posterior à revogação do mandato outorgado ao escritório recorrente, assim como não existir nenhuma disposição acerca dos honorários no acordo entabulado. Por conseguinte, o negócio jurídico firmado pelas litigantes não pode ser oponível ao patrono que não participou da transação e foi diretamente afetado pelos seus efeitos, a ponto de ter excluído um direito que lhe era próprio. Nesse contexto, a decisão inicial que arbitrou os honorários advocatícios pode ser considerada como um título executivo, até mesmo em homenagem ao princípio da instrumentalidade das formas, pois as partes não seriam prejudicadas e o processo atingiria sua finalidade sem o indesejável e excessivo apego ao formalismo.
Inexistência de litisconsórcio passivo necessário do cônjuge do avalista sem garantia real na execução
O aval é ato jurídico de prestação de garantia. Destaca-se que o cônjuge que apenas autorizou seu consorte a prestar aval, nos termos do art. 1.647 do Código Civil/2002 (outorga uxória), não é avalista. Assim, não há falar em litisconsórcio necessário porque o cônjuge do avalista não é avalista ou tampouco praticou ato visando à garantia. Dessa forma, não havendo sido prestada garantia real, não é necessária a citação do cônjuge como litisconsorte, bastando a mera intimação, (art. 10, § 1º, incisos I e II, do CPC/1973).