Consumação da corrupção passiva por nexo funcional ainda que sem atribuição formal
De início, cumpre observar que recentes decisões do Supremo Tribunal Federal a respeito da interpretação do artigo 317 do Código Penal são no sentido de que "se exige, para a configuração do delito (de corrupção passiva), apenas o nexo causal entre a oferta (ou promessa) de vantagem indevida e a função pública exercida, sem que necessária a demonstração do mesmo nexo entre a oferta (ou promessa) e o ato de ofício esperado, seja ele lícito ou ilícito" (Voto da Ministra Rosa Weber no Inq 4.506/DF). Com efeito, nem a literalidade do art. 317 do CP, nem sua interpretação sistemática, nem a política criminal adotada pelo legislador parecem legitimar a ideia de que a expressão "em razão dela", presente no tipo de corrupção passiva, deve ser lida no restrito sentido de "ato que está dentro das competências formais do agente". A expressão "ato de ofício" aparece apenas no caput do art. 333 do CP, como um elemento normativo do tipo de corrupção ativa, e não no caput do art. 317 do CP, como um elemento normativo do tipo de corrupção passiva. Ao contrário, no que se refere a este último delito, a expressão "ato de ofício" figura apenas na majorante do art. 317, § 1º, do CP e na modalidade privilegiada do § 2º do mesmo dispositivo. Além disso, a desnecessidade de que o ato pretendido esteja no âmbito das atribuições formais do funcionário público fornece uma visão mais coerente e íntegra do sistema jurídico. A um só tempo, são potencializados os propósitos da incriminação - referentes à otimização da proteção da probidade administrativa, seja em aspectos econômicos, seja em aspectos morais - e os princípios da proporcionalidade e da isonomia. Conclui-se, que o âmbito de aplicação da expressão "em razão dela", contida no art. 317 do CP, não se esgota em atos ou omissões que detenham relação direta e imediata com a competência funcional do agente. Assim, o nexo causal a ser reconhecido é entre a mencionada oferta ou promessa e eventual facilidade ou suscetibilidade usufruível em razão da função pública exercida pelo agente.
Admissibilidade do agravo de instrumento em decisões interlocutórias falimentares e recuperacionais
Inicialmente, a Lei de Recuperação Judicial e Falência - LREF estabeleceu, em seu art. 189, que, "no que couber", haverá aplicação supletiva da lei adjetiva geral, incidindo tão somente de forma subsidiária e desde que se constate evidente compatibilidade com a natureza e o espírito do procedimento especial. No que se refere à definição do regime jurídico do agravo de instrumento diante do microssistema da Lei n. 11.101/2005, sabe-se que ao contrário do Código de Processo Civil de 1973, que possibilitava a interposição do agravo de instrumento contra toda e qualquer interlocutória, o novo diploma processual definiu que tal recurso só se mostra cabível contra as decisões expressamente apontadas pelo legislador. Contudo, o rol taxativo do art. 1.015 do CPC de 2015, por si só, não afasta a incidência das hipóteses previstas na LREF, pois o próprio inciso XIII estabelece o cabimento do agravo de instrumento nos "outros casos expressamente referidos em lei". No entanto, há determinadas decisões judiciais tomadas no curso da recuperação judicial e da falência que, apesar de não haver previsão de impugnação pela lei de regência nem enquadramento no rol taxativo do NCPC, ainda assim, serão passíveis de irresignação por intermédio do agravo. Apesar da taxatividade, o STJ vem reconhecendo a possibilidade de interpretação extensiva ou analógica das hipóteses dispostas no rol do agravo de instrumento. Deveras, nas interlocutórias sem previsão específica de recurso incidirá o parágrafo único do art. 1.015 do CPC/2015, justamente porque, em razão das características próprias do processo falimentar e recuperacional, haverá tipificação com a ratio do dispositivo - qual seja, falta de interesse/utilidade de revisão da decisão apenas no momento do julgamento da apelação -, permitindo a impugnação imediata dos provimentos judiciais. De fato, a recuperação judicial não é procedimento linearmente disposto, importa um somatório de decisões com o objetivo de viabilizar a reestruturação da empresa - tendo como norte a superação do estado de crise -, que, por consectário lógico, devem ser de rápida solução, inclusive por sua influência no conteúdo de atos subsequentes e na conclusão do plano. Realmente, não parece haver lógica em se aguardar a sentença no processo de recuperação judicial, somente prolatada depois do cumprimento de todas as obrigações previstas no plano de recuperação judicial aprovado (LREF, art. 63), momento em que já teria havido, por outro lado, todas as definições a respeito do deferimento e processamento da recuperação, dos critérios da assembleia de credores, das habilitações, da homologação do plano, entre outras medidas que restariam implementadas de maneira irremediável no momento da apelação. Assim, há clara incompatibilidade do novo regime de preclusão previsto no novel diploma processual com o sistema recursal da recuperação judicial, haja vista que a incidência do regime de impugnação diferida das interlocutórias, apenas em apelação, tornaria sem utilidade o recurso, pois seu cabimento ocorreria apenas quando do exaurimento do procedimento. Inclusive, essa foi a conclusão adotada pela 1ª Jornada de Direito Processual Civil do CJF, nos termos do Enunciado n. 69, segundo o qual "a hipótese do art. 1.015, parágrafo único, do CPC abrange os processos concursais, de falência e recuperação".